PRÉDIO DA CAERN DA RIBEIRA – ÍCONE DO MODERNISMO NO BRASIL – ESCRITÓRIO SATURNINO DE BRITO
LE CORBUSIER influenciou muitos arquitetos, engenheiros civis e artistas no mundo todo no início da década de 1920, sempre na dianteira dos famosos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna. E os traços dessa fase se estenderam à terra de Câmara Cascudo. Na realidade, Natal/RN não é cenário de grandes obras modernistas, até porque os exemplares sobreviventes são acanhados, descaracterizados e imprensados na cidade que cresceu rápido e não se preocupou muito com preservação de seu patrimônio. Mas, dentre poucas obras modernistas, a meu ver, uma se destaca de forma muito especial. E rara. É o octogenário PRÉDIO DA CAERN-RIBEIRA, chamado originalmente INSTITUIÇÃO DE SANEAMENTO DE NATAL.
Essa construção é uma das maravilhas do modernismo brasileiro – verdadeira referência para o Brasil. Na realidade, o texto que se seguirá abaixo se baseia mais nas imagens que no próprio prédio atual, que está muito descaracterizado. Essa obra detém uma singularidade excepcional. E é admirável que há 80 anos, tenha chegado à pacata Natal uma proposta tão a frente do tempo.
O prédio é tão belo e visionário que permanece numa atualidade incrível, não fosse os danos sofridos. É INACREDITÁVEL QUE HOMENS PÚBLICOS –
GOVERNANTES – TIVERAM A ESTUPIDEZ DE MATAR ESSE MONUMENTO RARO DO MODERNISMO NO RIO GRANDE DO NORTE, MARCO DA RUPTURA COM O CLASSICISMO.
Costumo sempre lembrar que o RN é palco de pioneirismos. A primeira feminista, abolicionista, republicana, indianista e reformadora da educação brasileira, por nome Nísia Floresta; a primeira prefeita da América Latina: Alzira Soriano; a primeira eleitora do Brasil: Celina Guimarães; a primeira fábrica da Coca Cola; os primeiros voos aéreos do mundo (que desciam na hoje Parnamirim) etc etc etc.
Para termos ideia de o quanto foi ousada a proposta do prédio da atual CAERN/RIBEIRA, basta retroceder no tempo e visualizarmos a Essa construção é uma das maravilhas do modernismo brasileiro – verdadeira referência para o Brasil.
Neste período, São Paulo passava por um intenso processo de industrialização e urbanização, com a formação de uma burguesia sintonizada com os costumes da belle époque parisiense e a intensificação de imigração para fornecimento de mão-de-obra fabril, refletidas na criação de bairros inteiramente novos. A referida casa assustou os conservadores.
A propósito, há forte semelhança dessa casa com o prédio da CAERN/RIBEIRA. E o mais curioso é qua a obra de Natal não veio tarde, como se pode supor. Ela se concretizou 9 anos depois da casa paulista. Ou seja, em 1937. Mas, considerando a ideia de que Natal ainda era muito provinciana à época, fica evidente a vanguarda potiguar, os quais não ficaram a dever nada ao modernismo paulista. Se bem que falamos de algo mundial. O próprio WARCHAVCHIK recebeu forte influência de LE CORBUSIER. Mas também não pensemos que esse modernismo foi recebido de braços abertos. Com certeza muitos torceram os narizes, apegados à velha arquitetura.
Se você pegar o livro VERS UNE ARCHITECTURE, de CORBUSIER, perceberá as fortes influências dele no prédio da CAERN/RIBEIRA. O referido prédio priorizava uma maneira inovadora de ver as formas, cuja valorização da funcionalidade era o mote da coisa. Havia ansia pela valorização do conforto humano: claridade, ventilação, contato com o externo mesmo dentro do prédio (por isso a amplitude dos janelões de vidro), terraço-jardim etc. E isso assustava, pois rompia com velhas concepções góticas. Clássicas etc.
Natal, naquela época, possuía amplas áreas verdes. Logo o local escolhido para a INSTITUIÇÃO DE SANEAMENTO foi o sopé de uma duna – subida para a “cidade alta”. Um descampado. Verdadeiro extra terrestre, com características funcionalistas. Mas como essa ideia chegou por aqui? Quem a construiu?A novidade daquela época no Brasil, era inovar, empregando materiais não comuns e reinventando a aplicação de outros. Assim veio o concreto armado, a estrutura aparente, as coberturas planas e grandes fachadas envidraçadas com caixilhos metálicos, valorizando a pureza dos volumes prismáticos, a supervalorização do ângulo reto e a total extinção de detalhes e “riquififes”. Certamente muitos abominaram, assim como fazemos, hoje, quando vemos as incontáveis “caixas de sapato” pelas esquinas de Natal, muito embora incomparáveis.
O prédio da INSTITUIÇÃO DE SANEAMENTO DE NATAL foi obra do famoso engenheiro Saturnino de Brito, de Recife/PE, o qual recebeu influências de genialidades como GREGORI WARCHAVCHIK, LÚCIO COSTA, A. E. REIDY, OSCAR NIEMEYER e S. BERNARDES. Em 1935 Natal estava fortemente estimulada para inovar e modernizar a sua urbanização. Desse modo o governador Rafael Fernandes contratou os serviços do ESCRITÓRIO PERNAMBUCANO F. SATURNINO DE BRITO para o Plano Geral de Obras, visando construir inúmeras obras, dentre elas o citado prédio.
Na realidade o engenheiro SEBASTIÃO SATURNINO DE BRITO (pioneiro da Engenharia Sanitária e Ambiental no Brasil) chegou a desenhar vários prédios (conforme veremos nesse texto), como o Grande Hotel, Estação Ferroviária, Palácio do Governo, Aeroporto Secretarias, bairros residenciais etc, mas muito disso só ficou no desenho.
Mas, como “tudo o que é bom dura pouco”, como diz o ditado, o deus moderno da arquitetura potiguar foi mutilado pela ignorância. Sabemos que o progresso exige mudanças. As coisas vão se “modernizando”, exigindo adaptações como equipamentos de ar-condicionado, louças de banheiro, distribuição de água, sistema elétrico etc. E os governos e funcionários responsáveis pelo prédio foram dilapidando-o gradualmente, matando a sua história, ignorando o que o prédio significava para o Brasil. Nem ao menos as fachadas foram respeitadas. Mudaram dentro e fora. Retiraram a belíssima escadaria que se encerrava no teto, numa espécie de mirante para desopilar a mente. Pasmem! No lugar da escada fizeram um sanitário. O óculo que permitia ventilação em todo o prédio foi tampado. As esquadrias da escada foram mudadas. O terraço também não existe mais. Na realidade, SATURNINO DE BRITO, por sua visão sanitária, priorizava ambientes que colaborassem com o conforto pleno de quem utilizasse, e a questão sanitária estava visível nos fatores acima citados.