Reforma Administrativa: o alvo não são os outros
Enquanto todos os olhares da sociedade se voltam para os possíveis desdobramentos das falas golpistas e dos atos antidemocráticos engendrados por Jair Bolsonaro, na Câmara Legislativa caminha a passos largos o projeto de reforma administrativa, cujo conteúdo visa alterar substancialmente a organização da suficiente para nos dizer que o momento não pede uma reforma administrativa de tamanha envergadura, sobretudo quando o corpo do governo federal se descola do seu espírito público-democrático.
O povo que é alheio à PEC clama por trabalho, renda e vacina para garantir sua subsistência.
Como sensatez e espírito público-democrático são inexistentes no Governo atual, voltemos aos meandros da reforma administrativa, particularmente às questões afetas aos empregados públicos vinculados à Administração Pública, sob o regime da CLT.
Para quem não acompanha o dia a dia do legislativo e o debate travado em torno do projeto — o qual, até aqui, avança a toque de caixa —, subsiste uma questão central na proposta de emenda constitucional que pode passar inteiramente despercebida: o público-alvo destinatário da reforma administrativa.
É bem verdade que discursos frágeis e vazios daqueles que temporariamente ocupam o poder — como os proferidos pelo Ministro da Economia, a quem um importante jornal recentemente se referiu com a alcunha de “Chicago loser” — podem, eventualmente, passar uma falsa imagem de que a reforma se limita aos servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário das três esferas da Federação.
Todavia, basta um olhar mais atento para notar que praticamente todas as alterações pretendidas pela PEC nº 32 de 2020, direcionadas aos servidores públicos estatutários, também valerão para os empregados públicos celetistas. Aqui vale parafrasear às avessas uma das celebres frases do filosofo Jean Paul Sartre: “oinferno não são os outros”.
Não é mesmo! O alvo da reforma administrativa, ou o inferno arquitetado por Paulo Guedes e cia, não se limita aos servidores regidos pela lei 8.112 de 1991. A alça de mira do governo federal enquadra todo o funcionalismo público lato sensu.
Embora tenha havido um abrandamento do projeto original, com o acolhimento de diversas emendas apresentadas na Comissão Especial, criada pela Câmara dos Deputados para analisar o tema, não há dúvidas de que a reforma impõe retrocesso histórico aos trabalhadores de estatais, ao atingir não só os futuros empregados públicos, mas também os atuais, em desrespeito à plena observância aos direitos adquiridos, como é enganosamente propagado por alguns membros do Executivo e do Legislativo.
Essa afronta aos direitos adquiridos se evidencia nos dispositivos que extingue vantagens que hoje são concedidas pelas estatais, aos seus trabalhadores, tais como: I) férias em período superior a trinta dias pelo período aquisitivo de um ano; II) adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada; III) aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; IV) licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada; V) progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço; dentre outras.
Para além da extinção dos direitos acima exemplificados, a PEC nº 32 de 2020 traz instrumentos que se afeiçoam com a verve destrutiva do neoliberalismo, sob o improvável discurso da otimização da administração pública. Isso, conquanto acabe por precarizar os serviços públicos, sob a falácia de que o empregado público tem muitas regalias, quando de fato há um notório enfraquecimento das condições de trabalho, que resultará da extinção de direitos históricos.
Exemplos dessas convicções ideológicas se apresentam nos dispositivos da PEC, cujo teor: I) permite a demissão do empregado público por extinção do cargo, em razão do reconhecimento de que se tornou desnecessário ou obsoleto; II) aprofunda a constitucionalização da avaliação periódica de desempenho, incluindo a obrigatoriedade da participação do cidadão avaliar o serviço prestado; III) veda a estabilidade para empregado público de estatais, por meio de negociação coletiva ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada; IV) impõe a aposentadoria compulsória como modalidade de punição.
Outro ponto de atenção se refere à ampliação das hipóteses de contratação por tempo determinado, para “atender necessidade temporária”. Dessa forma, caso o texto substitutivo seja aprovado, as estatais poderão contratar trabalhadores temporários — a exemplo de pesquisadores na EMBRAPA, bancários na Caixa Econômica Federal, engenheiros na CODEVASF e analistas de sistemas no SERPRO. Ou seja, aqueles que têm o papel central na realização da própria finalidade social do ente público.
Ineficiência, inchaço estatal, privilégios e regalias, essas são algumas das falsas premissas que norteiam os defensores da Reforma Administrativa. Defensores estes que desconhecem a realidade da administração pública brasileira, cuja importância é vital para todos nós.
Essa ideia simplista, de pretensa equiparação entre empregados públicos e privados, atenta não só contra a administração pública e seus empregados, mas em última análise, contra a própria sociedade
É bem verdade que discursos frágeis e vazios daqueles que temporariamente ocupam o poder — como os proferidos pelo Ministro da Economia, a quem um importante jornal recentemente se referiu com a alcunha de “Chicago loser” — podem, eventualmente, passar uma falsa imagem de que a reforma se limita aos servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário das três esferas da Federação.
Todavia, basta um olhar mais atento para notar que praticamente todas as alterações pretendidas pela PEC nº 32 de 2020, direcionadas aos servidores públicos estatutários, também valerão para os empregados públicos celetistas. Aqui vale parafrasear às avessas uma das celebres frases do filosofo Jean Paul Sartre: “o inferno não são os outros”.
Não é mesmo! O alvo da reforma administrativa, ou o inferno arquitetado por Paulo Guedes e cia, não se limita aos servidores regidos pela lei 8.112 de 1991. A alça de mira do governo federal enquadra todo o funcionalismo público lato sensu.
Texto: Carta Capital
Vídeo: Frente Parlamentar em Defesa ao Serviço Público.