PRIVATIZAR A CAERN: PÉSSIMO NEGÓCIO PARA O RIO GRANDE DO NORTE
“É HORA DE CONSERTAR O MODELO FALIDO DE PRESTAÇÃO PRIVADA DA GRÃ-BRETANHA, NO QUAL OS MONOPÓLIOS NATURAIS SÃO CAPAZES DEENGANAR REGULADORES FRACOS.” Foi assim, na edição do dia 10 de agosto de 2022, que o jornal britânico “THE GUARDIAN” em editorial defende a renacionalização dos prestadores de água e esgoto privatizados há três décadas pelo governo conservador de Margareth Tatcher. Segundo o jornal, os prestadores que operam serviços públicos em regime de monopólio natural são capazes de enganar reguladores frágeis.
Em meio à maior seca enfrentada pela Grã-Bretanha nas últimas décadas, O quadro se caracteriza por tarifas elevadas, remunerações astronômicas dos executivos, endividamento elevado e priorização do pagamento de dividendos aos acionistas em relação aos investimentos necessários à melhoria do desempenho dos serviços, com consequente aumento das perdas de água e dos episódios de poluição por esgotos brutos. O Guardian destaca a falta de controle e fragilidade dos órgãos reguladores incapazes de reverter a situação.
Correlacionando a situação inglesa com o Brasil, principalmente com a realidade do Rio Grande do Norte e a função da prestação dos serviços de água e esgotos pela CAERN, objetivando uma análise minimamente sustentável, deve refletir os cenários de gestão frente as medidas impostas pelo chamado novo marco legal do saneamento básico brasileiro (Lei nº 14.026/2020).
Para uma cenarização de perspectivas de gestão dos serviços pela CAERN, que consideramos como mais relevantes, devem ser observados nos seguintes pontos:
1) O inventário patrimonial da empresa da ordem de R$3 bilhões;
2) A prestação de serviço em 152 sistemas municipais;
3) As condições impostas pelo novo marco legal do saneamento básico:
3.1. Fim dos contratos de prestação de serviços CAERN x Municípios;
3.2. Implantação de 2 Microrregiões de Água e Esgotos (Litoral-Seridó e CentralOeste);
3.3. Prorrogação de 48 contratos de acordo com o novo marco legal, realizada com as Microrregiões e não com os municípios (municípios com contrato em vigor na data da sanção do novo marco legal do saneamento básico);
3.4. Obrigatoriedade das microrregiões em licitar a prestação dos serviços nos demais municípios que não possuíam contrato na data da sanção do novo marco legal do saneamento básico.
Uma análise minimamente responsável atrelada a somatória dos pontos rapidamente descritos acima demonstra o dano que a aplicação do novo marco legal trouxe ao Estado do Rio Grande do Norte e a CAERN:
1) Como a previsão legal possibilitou a prorrogação exclusivamente dos contratos vigentes o valor patrimonial da empresa teve uma desvalorização proporcional, levando a uma perda para uma possível privatização de cerca de R$2 bilhões;
2) Caso a CAERN queira recuperar esse valor patrimonial terá que participar da(s) licitações promovidas pela Microrregiões de água e esgotos do Litoral-Seridó e Central-Oeste, dando segurança jurídica de titularidade sobre todos os 104 municípios por ela operado e sem contrato, ressaltando que a licitação deverá ser realizada por Microrregiões e não mais por municípios;
3) O novo marco legal acarretou um período de estagnação nos investimentos, visto que as Microrregiões de água e esgotos terão que se estruturar técnica e juridicamente para proceder a realização dos Planos Microrregionais e a licitação dos sistemas, cujos municípios não possuíam contrato na data da sanção do novo marco legal do saneamento básico.
Afora a essas questões, conforme apresentado pelo Observatório Nacional dos Direitos a Água e ao Saneamento – ONDAS, o exame das informações disponibilizadas pelo próprio BNDES sobre os contratos de concessão de serviços públicos de água e esgotos resultados de leilões realizados entre 2020 e 2021, mostra a distância entre o discurso e a prática nos projetos de privatização desses serviços. Os contratos assinados vão complementar ou expandir infraestruturas pré-existentes, de longo prazo, com 35 anos de duração e se referem a sistemas nos Estados de Alagoas, Amapá e Rio de Janeiro. As receitas envolvidas em todos os casos são as tarifas pagas pelos usuários aos concessionários, o que já desmente a tese de que as iniciativas de privatização trazem recursos novos para o saneamento nestes estados.
A população a ser atendida pelas concessionárias nesses três estados totaliza 10,204 milhões de habitantes enquanto a população total abrangida nas áreas das concessões é de 16,996 milhões. Em sendo assim, população a ser atendida corresponde a apenas 60% da população total abrangida. Onde estão os 40% da população para alcançar a universalização em esgotamento sanitário de 90% e abastecimento de água de 99% até 2033? Certamente constituirão as parcelas residentes em assentamentos subnormais e em áreas rurais. Aqueles que mais sofrem com a falta do saneamento básico e menos dispõe de recursos para pagar por esses serviços.
Os investimentos estimados no conjunto dessas concessões totalizam R$ 45,80 bilhões enquanto os valores a serem pagos como outorga pelos concessionários atingem um total de R$ 29,50 bilhões. Ou seja, o total das outorgas corresponde a 64% do total das estimativas de investimentos a serem realizados pelas concessionárias. Com exceção do Amapá, o critério usado nos leilões para escolha do vencedor foi o maior valor de outorga o que fez com que os valores fossem exageradamente altos.
Além disso, em todos os casos foi exigido que os valores devidos pela outorga, fossem pagos praticamente à vista, o que é uma péssima prática, pois configura de fato uma operação de crédito e torna inviável a rescisão antes do prazo contratual, dada a elevada indenização estabelecida, obrigando mesmo com a precariedade da prestação do serviço, a sociedade se submeter as condições impostas pelo prestador privado.Um exemplo claro dessa situação é a concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, que se encontra após 8 anos com a estrutura sucateada, a concessionária devolvendo a concessão e cobrando cerca de R$100 milhões a sociedade brasileira como compensação em função dos valores pagos na outorga da concessão.
Exemplos brasileiros em que ocorreram privatizações dos serviços apresentam quadrosprecários:
• No estado do Amazonas após 20 anos Manaus possui apenas 12,5% do esgoto coletado na cidade tratado, sendo o restante despejado no rio Negro, em igarapés e córregos. Cerca de 600 mil pessoas, equivalente a 27% da população, ainda não tem acesso a água potável.
• No Tocantins, a experiência com a privatização também não gerou bons resultados. A SANEATINS foi privatizada em 1998, o modelo tornou-se insustentável em 2010, quando o Governo do Estado teve de realizar um acordo com a empresa e criar uma autarquia (espécie de empresa pública), a Agência Tocantinense de Saneamento (ATS), tendo sido reestatizado 78 dos 139 municípios do estado, bem como todos os sistemas rurais, obviamente aqueles sistemas de menor rendimento aos interesses privados.
Os exemplos são muitos no mundo. Estudo do Instituto Transacional (TNI) no ano de 2017, mostrou que entre 2000 e 2005, em 37 países, ocorreram cerca de 235 casos de reestatização do saneamento. Paris, Berlim, Londres, Budapeste, Atlanta, Buenos Aires, La Paz, Cochabamba, Jacarta, Maputo, Bamako. Também é relevante a revolta do povo chileno contra a privatização da água no País, resultando em grandes revoltas.
Por fim. Conforme afirma o conceituado engenheiro Leo Heller, relator da ONU para os direitos a água e ao saneamento: “Não existe caso no mundo em que um País tenha alcançado a universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário sem a aplicação maciça de recursos públicos”.
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – Seção/RN
Sind dos Trabalhadores em Água, Esgotos e Meio Ambiente do RN–SINDÁGUA/RN
Associação dos Servidores da CAERN – ASSEC